Formação Profissional e Segurança do Trabalho

É comum em saúde e segurança no trabalho (SST) encontrarmos imagens de trabalhadores em situações totalmente absurdas. São eletricistas trabalhando dentro de piscina, ou alguma atividade em altura com escadas improvisadas, usando madeiras e a caçamba do carro para atingir o local onde vai trabalhar ou até mesmo escadas sobre escadas.

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1) Essas imagens absurdas podem nos ensinar alguma coisa?

É muito comum em saúde e segurança no trabalho (SST), encontrarmos imagens de trabalhadores em situações totalmente absurdas. São eletricistas trabalhando com linhas energizadas e dentro de uma piscina, ou uma atividade em altura onde o trabalhador improvisou escadas, usando pedaços de madeiras ou a caçamba de um carro, tudo isso para atingir o local onde vai trabalhar, pintar, concertar, limpar etc.

Para o autônomo ou para a empresa: improviso na segurança do trabalho.


Essas situações são tão comuns que revistas de SST dedicam páginas para essas imagens absurdas e sem segurança do trabalho. Algumas fotos tem um grau de non sense tão grande que beiram a piada, apesar de na verdade serem verdadeiras trágicas. Alguns desses casos, parecem uma esquete, um quadro produzido por algum programa humorístico, uma pegadinha, feita para a televisão. Parece piada, mas não é. É algo sério, muito sério, pois os acidentes de trabalho no Brasil matam em torno de 3.000 pessoas por ano, com mais de 700.000 acidentes de trabalho registrados. Isso fora a subnotificação que pode elevar esses números a patamares extratosféricos.

E aí fica a pergunta: esse povo é maluco, é doido varrido ou o é quê?

Acho que precisamos primeiro entender como se constituiu a formação profissional no país, para então compreendermos porque esse corpo de profissionais técnicos se comporta de maneira tão improvisada, mesmo na atualidade.

2) Um pouco de história do trabalho no Brasil e da formação profissional.

Para entender como chegamos nesse ponto é preciso voltar à época colonial, quando o Brasil possuía uma base econômica quase que exclusivamente agrária, e a principal atividade era a agroindústria açucareira. Nessa época surgiu uma classe diferenciada entre os trabalhadores, eram os artífices e mecânicos, responsáveis pela manutenção dos equipamentos nas fazendas e nos engenhos.

Só que por essa época também, havia o uso de mão de obra escrava nas fazendas, e os senhores de engenho passaram a colocar seus escravos para aprender e depois executar essas manutenções. E a categoria dos artífices e mecânicos passou a sofrer a concorrência dessa mão de obra não remunerada, e se em algum momento essas profissões tiveram algum valor social, ao concorrerem com escravos, suas atividades foram aviltadas e economicamente seus serviços foram inviabilizados.

Negros serradores de tábuas. Gravura de Jean Baptiste Debret in Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Livro ilustrado com aquarelas e gravuras produzidas com base em seus estudos e observações do Brasil.


Foi assim que os primeiros passos na formação de uma categoria profissional, e em consequência, os primeiros momentos para criar uma base de educação profissional no Brasil, foram bastantes nocivos em relação àqueles ofícios, numa concorrência impossível entre a atividade escrava e o trabalho exercido pelos homens livres. Os carpinteiros, ferreiros, pedreiros, tecelões, etc. todos fugiam dessas atividades como forma de se diferenciarem dos escravos.

Outro trabalhadores que surgiram nesses primórdios da terra brasilis foram os contratados pelos jesuítas. Eles atuavam no apoio das atividades domésticas, religiosas e nos ofícios mecânicos dos colégios e residências da Companhia de Jesus. Iam desde porteiros, roupeiros, sacristãos até os construtores e mestres de ofícios. Apoiavam os esforços de colonização e catequização, mas como o país não possuía essa mão de obra artesã, e não tinha um sistema de ensino ou um método sistematizado para a transmissão dos conhecimentos, os ensinamentos desses ofícios eram repassados por irmãos oficiais que visavam garantir a continuidade dos empreendimentos. Os futuros alfaiates, sapateiros, pedreiros, ferreiros, enfermeiros, etc. eram buscados entre as classes sociais mais baixas e sem proteção, sendo os índios e escravos os primeiros aprendizes desses ofícios no Brasil. Isso criou um estigma de servidão que marcou o ensino profissional em nosso país, ao associar essa forma de ensino técnica como a destinada aos elementos das mais baixas categorias sociais.

Assim a formação era separada entre a formação intelectual (dos homens livres) e a formação profissional (dos índios e escravos). Os jesuítas ministravam para os filhos dos colonos um tipo de ensino mais abrangente, e um outro tipo de ensino mais ligado ao fazer manual para os trabalhadores dos ofícios. Isso deixou uma marca na vida da sociedade: a existência de duas escolas para formação, a da elite e a da pobreza.
A descoberta do ouro em Minas Gerais foi outro momento marcante para a história da formação profissional no país. Para controlar o ouro extraído e o pagamento dos impostos para a Coroa Portuguesa, foram criadas as Casas de Fundição e de Moeda, responsáveis pela transformação do ouro em barras e pela consequente cobrança do “quinto” pelo Estado. Devido às necessidades de mão de obra para esses estabelecimentos, surgiram dentro dos mesmos escolas de ensino dos ofícios ligados à sua atividade de fundição e fabricação.

Também nos Arsenais da Marinha do Brasil existia um centro de aprendizagem de ofícios, que eram ministrados pelos mestres e contra-mestres oriundos da Metrópole portuguesa, operários especializados que ensinaram os seus ofícios aos aprendizes tupiniquins, única forma encontrada de se conseguir gente capaz para os serviços de carpinteiros e calafates necessários para a Marinha.

De novo o que vemos é uma dupla educação. Enquanto que no sistema de ensino da Casa da Moeda recrutavam-se os aprendizes junto aos elementos brancos da sociedade, filhos de colonos ou de funcionários da própria instituição, demonstrando uma preocupação de se preparar o pessoal para o desenvolvimento das atividades, nos Arsenais da Marinha a origem era distinta, pois o desenvolvimento e os processos produtivos eram bastante diferentes, e se adotava a aprendizagem compulsória dos ofícios como recurso para suprir a sua permanente falta de mão de obra, buscando junto aos desvalidos e excluídos socialmente, pessoas sem escolha para “aprenderem” esses ofícios compulsoriamente. As patrulhas militares prendiam “vadios” e os encaminhavam aos arsenais, ou o chefe de polícia “escolhia” entre os detentos e criminosos os aptos a trabalhar.

Moinho de açúcar. Gravura que integra a obra “Voyage pittoresque dans le Bresil”, de Johann Moritz Rugendas, 1835.

3) A coisa não começou bem no Brasil.

Quando lemos sobre o começo da atividade profissional, e das formas de educação profissional no Brasil, percebemos que não foi nada promissor. A mão de obra técnica sofria a concorrência de mão de obra escrava, e nenhum homem livre ia querer ser comparado a um trabalhador escravo. Esse afastamento era necessário até para que não restassem dúvidas de que ele era livre. Inclusive era muito comum a aquisição de um escravo por esses trabalhodores livres para este fazer a parte manual dos seus serviços. E essa situação chega ao cúmulo de se alugar escravos artesãos para que executassem seus serviços para outros. E são vários os exemplos nos livros, e podemos dizer que toda a sociedade foi contaminada pela chaga da escravidão, mas muitos ofícios técnicos foram marcados como atividade vil, ordinária, insignificante, gerando um grande preconceito contra o trabalho manual.

4) Considerações finais

Será que essa condição inicial, das profissões ténicas e da formação profissional para elas, pode justificar as muitas situações que vemos por aí, com trabalhadores abusando da insegurança, atuando de qualquer maneira, e se expondo a riscos desnecessários? A condição de se pegar no laço pessoas de baixa renda, desvalidos e outros à margem da sociedade com certeza contribuiu para dificultar o acúmulo de conhecimento que essas profissões conseguiram em outros países.

Nas próximas postagens iremos abordar as corporações de ofício, e como elas exerceram um papel importante para a construção de das associações profissionais e para regulamentar as atividades desenvolvidas, organizando o conhecimento de determinadas atividades, seu ensino e como desenvolver o trabalho. Mas no Brasil essa importante característica ligada aos trabalhos técnicos encntrou grande dificuldade para ocorrer. Não havia um bom mercado de consumidores de produtos manufaturados, existia diversas proibições à produção local (principalmente para não concorrer com a produção de Portugal e o uso generalizado de escravos dificultaram o seu estabelecimento.

E é preciso deixar claro nesse texto uma informação. Entender essas condições da qual falamos não é de forma alguma uma concordância com essas situações ou uma justificativa para que elas acontecessem. Muito pelo contrário, compreendendo sua origem histórica podemos intervir de uma maneira muito mais eficaz na atualidade, com os cuidados necessários que só o conhecimnto nos fornece e livres de preconceitos que apenas reforçariam essa visão corrente, ao invés de se contraporem a ela.

5) Quer Saber Mais?

Eu recomendo 3 livros que trazem essas informações sobre formação profissional:

  • Ensino de ofícios artesanais e manufatureiros no Brasil escravocrata. Luiz Antônio Cunha – São Paulo: Editora UNESP; Brasília, DF. FLACSO, 2005.
  • História do Ensino Industrial no Brasil. Celso Suckow da Fonseca – Rio de Janeiro: Escola Técnica Nacional, vol. 1, 1961.
  • Educação Profissional no Brasil : Atores e cenários ao longo da história. Silvia Maria Manfredi. Jumdiaí, SP. Paco Editorial: 2016

No próximo post vamos falar sobre as corporações de ofício no Brasil.

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